Mercado e/ou Ciência: salvadores do planeta?

Estratégias de mercado e ambiciosos projetos científicos se apresentam como possíveis saídas à crise ambiental. Mas há quem os conteste. Por João Reis, em 11/01/08.

Como nem campanhas de conscientização, manifestações ou mesmo a implementação de protocolos como o de Kioto foram capazes de atingir resultados satisfatórios na desaceleração da degradação ambiental, novas propostas vêm sendo debatidas e aplicadas, seguindo basicamente duas linhas: a científica e a de mercado.

São claros exemplos dessa tendência o mercado de créditos de carbono e os projetos de geo-engenharia, antes relegados pela comunidade científica, que agora começam a ser levados a sério.
O mercado de carbono consiste na compra e venda de certificados que conferem um valor monetário à poluição, visando reduzir a emissão de gases de efeito estufa (GEE). Por convenção, estabeleceu-se que uma tonelada de dióxido de carbono ou gás carbônico corresponde a um crédito de carbono, que pode ser negociado no mercado internacional.

Acordos internacionais como o Protocolo de Quioto determinam uma cota máxima de poluição que países desenvolvidos podem emitir. Aqueles países ou indústrias que não conseguem atingir as metas de reduções de emissões, tornam-se compradores de créditos de carbono. Já as indústrias que diminuem suas emissões abaixo das cotas determinadas, podem vender o excedente de "redução de emissão" ou "permissão de emissão" no mercado nacional ou internacional.

Já o campo da geo-engenharia visa à alteração do ambiente da Terra em ampla escala para que se satisfaçam as necessidades humanas e sejam mantidas as condições para seu modo de vida. Entre seus projetos mais conhecidos, está um que propõe a construção de uma espécie de guarda-sol gigante no espaço, que bloquearia parte dos raios solares, buscando reduzir o aquecimento global. Outro sugere a distribuição de filmes sobre desertos ou ilhas de plástico brancas nos oceanos, como forma de refletir mais luz para o espaço.

Já existem governos que financiam esses projetos e o mercado de carbono é uma realidade: países desenvolvidos como os Estados Unidos financiam, por assim dizer, a despoluição e o plantio de árvores em países em desenvolvimento. Mas essas iniciativas ainda geram polêmica, e por um ponto em comum: seu caráter paliativo. Sem cortar realmente o mal pela raiz, essas idéias têm em comum o fato de admitirem que as atividades humanas prejudiciais ao meio-ambiente perdurarão, representando uma opção para que, no máximo, se neutralizem as emissões de gases de efeito estufa.

Daí a pergunta: será que virá da ciência ou das livres negociações de mercado a salvação do meio-ambiente? O jornalista Vilmar Berna, especializado em comunicação ambiental, acredita que não.

- A ciência, sem dúvida nenhuma, tem o dever de tentar oferecer à sociedade saídas para o atual cenário de degradação ambiental. O que não quer dizer que a ciência seja a salvadora; existe um mito que todos os problemas ambientais se resolverão através da ciência. Isso não é verdadeiro. É bom lembrar que foi a ciência também a responsável por nos enfiar na enrascada que estamos. Foi a ciência que fabricou a bomba atômica e todas as tecnologias de poluição.

Apesar de considerar válidas as ações promovidas pelo mercado de carbono, Berna discorda de que esse seja o caminho para se atingir as metas necessárias à despoluição do planeta. Afinal, os créditos de carbono não incentivam mudanças estruturais nas nações que mais degradam o meio-ambiente.

- O crédito de carbono dá algumas distorções conceituais. Qual o seu princípio? A idéia é a de que o planeta é um só. E eu não preciso fazer controle, diminuir minha emissão num determinado lugar, se eu possso fazer em outro. Se você cria um mecanismo, chamado de desenvolvimento limpo, que não estimula aqueles que emitem poluição a pararem de emitir, reduzir suas emissões, o planeta como um todo perde. – afirmou o jornalista.

Ele acredita que mega-soluções como as propostas pela geo-engenharia não representam a saída para os problemas ambientais, pois partem do princípio de que se há um grande problema, deve haver uma grande solução. O que seria um mito.

- O grande problema sócio-ambiental que vivemos é a soma de pequenos problemas que não foram resolvidos e se acumularam. A maneira de você desconstruir isso é pensando em soluções que só podem acontecer através de pequenas atitudes e mudanças. – explicou.

Segundo o biólogo Kenny Tanizaki, pesquisador da UERJ e diretor presidente do Instituto Matlan de Pesquisa e Educação Ambiental, o mercado de carbono, originalmente, era para ser feito um fundo de investimentos que direcionaria ações por todo o planeta, visando ao seqüestro de carbono na atmosfera. No entanto, o fundo não foi criado e se lançou diretamente o crédito de carbono como um commoditie, e as livres negociações abriram frente para preços mais elevados e mercados paralelos de crédito de carbono. Para o pesquisador, é possível que os créditos de carbono favoreçam mais o mercado que o próprio meio-ambiente.

- Os créditos de carbono circularão nas mãos de pessoas que , por natureza, os tratam como simples moeda ou produto de especulação. São profissionais do mercado financeiro que pensam, antes de tudo, no lucro.

Tanyzaki destacou que o mercado de carbono é também uma maneira de os países desenvolvidos, responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa, não se comprometerem efetivamente com as reduções dos mesmos:

- A questão da obrigação dos países desenvolvidos em reduzir as suas emissões, sem dúvida, tem sua relação com uma idéia como a dos crétditos de carbono. As nações mais ricas – e aí estão os Estados Unidos como principal “vilão” – não estão entrando nessse jogo como deveriam entrar. Eles estãojustamente enfraquecendo toda a comoção mundial quanto a questão das mudanças globais. – afirmou.

Em relação aos projetos de geo-engenharia, o biólogo ressaltou que, além dos altos custos, e do favorecimento a grandes grupos de engenharia e construção, sua aplicação poderia gerar efeitos colaterais danosos ao meio-ambiente, possivelmente irreversíveis.

- O projeto que considero mais perigoso é o chamado CCS (Carbon Capture Sequestration), que propõe o armazenamento do CO2 (gás carbônico) comprimido em poços inativos de petróleo. Qualquer falha geológica poderia lançar na atmosfera o gás que, por estar altamente comprimido, poderia se expandir, retirando oxigênio do ar. Uma outra idéia do CCS seria a injeção de CO2 gasoso no mar. Então esse CO2 se complexaria com o cálcio, formando o carbonato de cálcio que precipita e levaria esse carbono definitivamente para o fundo do mar. A questão é que o CO2, na cadeia reativa de formação do carbonato de cálcio, forma também o ácido carbônico que iria reduzir muito o PH dos oceanos, o que causaria um desequiíbrio ecológico absurdo.

Para os especialistas, ações mais concretas e objetivas do que essas devem ser executadas o quanto antes. Antes de tudo, é preciso repensar a relação do homem com a natureza e alterar os paradigmas e modelos de vida atuais, baseados no consumo excessivo e na industrialização. Vilmar Berna pensa dessa forma, mas acredita que uma transformação radical dos padrões de vida mundiais (ocidentais principalmente) ainda é uma realidade distante.

- As pessoas se iludem ao acharem que o mercado vai oferecer a solução, que o crédito de carbono, o MDL, que a ciência vai dar uma solução para esse problema. A solução seria que aqueles que têm um padrão de consumo hoje perdulário e irresponsável revessem esse estilo, mudassem esse estilo. Mas isso é muito difícil de acontecer.

Tanizaki aposta em caminhos menos mirabolantes, mas pragmáticos, para se combater o excesso de carbono na atmosfera. Segundo o biólogo, o reflorestamento seria a melhor das opções.

- Quando se faz o reflorestamento você está recuperando diversos serviços ambientais que são fundamentais para a sobrevivência do ser humano. Entre eles, além do estoque de carbono e do seqüestro de carbono na atmosfera, há a manutenção de mananciais hídricos, a reestruturação do solo com a natural fertilidade que um solo de floresta tem, a conservação da biodiversidade e o fornecimento de uma série de produtos florestais, chamados de não-madeireiros, além da própria madeira, que é um produto valiosíssimo, que vão garantir uma melhor qualidade de vida para as populações que vivem no entorno das florestas.