Privatização de águas brasileiras: ponto para os empresários, descaso com pescadores artesanais

A pesca artesanal é, hoje, responsável pela produção de mais de 1 milhão de toneladas de pescado por ano no Brasil. Além de gerar emprego e renda para milhares de famílias, que, em muitos casos, já vivem dessa atividade há centenas de anos, essa atividade destaca-se por sua importância em termos de preservação ambiental. Isso porque é uma prática muito menos agressiva do que a pesca industrial, que é poluente e depreda, em larga escala, o ecossistema marinho.

A cultura caiçara, que compreende os conhecimentos e práticas tradicionais das comunidades de pescadores no Brasil, é, portanto, de suma importância para o país, pois representa um via possível de interação equilibrada com o meio-ambiente, abrindo caminho para uma relação sustentável com os recursos marinhos do país.

Apesar dos benefícios e vantagens que a pesca artesanal possibilita, o governo brasileiro parece não apoiá-la integralmente, pois aprovou, através de ação da SEAP (Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca), a privatização de 160 Hectares de águas próximas à praia de Boa Viagem, em Recife (PE), o que prejudicará o trabalho de centenas de pescadores artesanais que atuam na região há gerações. A ação tramitou na câmara, durante o carnaval, e não foi discutida com a sociedade organizada, pegando os pescadores locais de surpresa.

A área em questão é de interesse da Empresa “Aqualider”, segundo informa matéria divulgada pelo Portal do Meio Ambiente, no dia 8 de abril deste ano. Essa empresa deverá implantar 48 tanques para criação de peixes Beijupirá, cuja produção será voltada para o mercado internacional. Ou seja, não só os pescadores serão impedidos de pescar na área privatizada, como não serão beneficiados, junto à comunidade local, pela maior oferta do peixe, já que este será destinado ao mercado externo.

A questão é tão polêmica que o governo se esforçou para não ter torná-la pública. Estrategicamente, a ação tramitou na câmara durante o carnaval (só assim mesmo para os deputados trabalharem em feriado), para que não repercutisse nacionalmente. Vale perguntar qual o respaldo legal para essa ação e se não seria o caso de se discuti-la com a população. Afinal, trata-se do patrimônio natural brasileiro, cuja exploração possivelmente favorecerá a poucos e prejudicará importantes atores sociais que, não obstante, têm uma vida sofrida e dependem diretamente da exploração dessa área para sua subsistência.

Ratifica-se, assim, o triste fato de que no Brasil, com raras exceções, os interesses de empresas, dos mais ricos e poderosos, sobrepõem-se ao que é melhor para a sociedade como um todo, ainda mais quando se trata de pessoas relativamente excluídas socialmente, como é o caso dos pescadores, geralmente de baixo grau de instrução e poder aquisitivo.

Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca responde

A assessoria de comunicação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca informou que a área privatizada não é própria à pesca artesanal, pois “estudos sobre a mesma mostram que são fundos de areias e cascalhos, não havendo na proximidade corais ou rochas para atração de cardumes de peixes, crustáceos e moluscos para a sua extração com petrechos comumente utilizados pela pesca artesanal. Por ser de fundo arenoso e não lamoso também não há nesta área arrasto de fundo para a captura de camarões. A atividade pesqueira é mínima, ou quase inexistente, sendo o local apenas utilizado para o tráfego marítimo e aquaviário.”

Segundo a assessoria, nunca houve, por parte da SEAP, a liberação incondicional dos espaços físicos do mar territorial brasileiro para fins de aqüicultura: “O que há nesse processo é a democratização do acesso às águas para produção de pescados, o que vai gerar mais emprego e renda para quem mais necessita. Um planejamento e ordenamento que evita a concentração e promove a distribuição. É a solução de um problema histórico para favorecer a inclusão social e o desenvolvimento sustentável.”

Se isso fosse inteiramente verdadeiro, grupos organizados de pescadores como MONAPE - Movimento Nacional dos Pescadores, CNPA - Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores, ANP - Articulação Nacional das Mulheres Pescadoras, MPPA - Movimento dos Pescadores Profissionais Artesanais do RS, CPP - Conselho Pastoral dos Pescadores, entre outros, não estariam se manifestando ativamente (veja o manifesto aqui) contra essa decisão, tomada unilateralmente, sem consulta alguma aos setores sociais envolvidos.

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