A crise alimentar e os biocombustíveis


Por João Reis, 12/05/08

Em meio ao atual cenário de crise alimentar, o cultivo dos biocombustíveis em terras férteis vem sendo objeto de discussões pelo mundo afora.

Já são 6 bilhões de seres humanos na Terra, dos quais aproximadamente 800 milhões passam fome. Por isso, a ocupação de terras produtivas para o cultivo com fins energéticos certamente é um fato que merece atenção, tanto das autoridades, quanto da sociedade civil organizada.

No entanto, é preciso atentar para motivações e interesses políticos e econômicos que possam estar por trás de argumentações contrárias ao cultivo de biocombustíveis em países como o Brasil. Apoiando-se num discurso, muitas vezes, populista – “a favor dos esfomeados do mundo”, governantes dos países de primeiro mundo, que dependem da produção de alimentos na América Latina e África principalmente, vêm atacando o cultivo de biocombustíveis nessas regiões, embora os cultivem em seus próprios países.

Há duas semanas, o relator da ONU, Jean Ziegler apelou para que a produção de biocombustíveis fosse totalmente suspendida, por ser a principal causa do aumento de preços de alimentos. Essa afirmação, sem dúvida, radical, peca pelo reducionismo com que trata essa questão, que faz parte de um jogo de interesses, muito mais complexo do que uma questão moral, como quis colocar o diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn.

Ainda há, e estudos comprovam isso, muitas terras improdutivas ou sub-aproveitadas, bem como áreas antes degradadas pelo homem, que podem ser utilizadas para a produção de alimentos. Só no Brasil, existe o equivalente ao território da França e Alemanha disponível para o cultivo de alimentos; mas falta investimentos e infra-estrutura para isso, porque há uma falta de interesse privado para se financiar a produção de alimentos. Esses estão garantindo menos dividendos aos empresários em relação à exploração de biocombustíveis. Com a falta de investimentos, menos alimentos são produzidos e mais caros eles ficam, o que contribui para a crise alimentar, que castiga as faixas mais pobres da população (vide os protestos no Senegal, Haiti, Burkina Faso, Egito).

Outro aspecto que influencia a alta de preços dos alimentos são os maiores níveis de consumo na China, Índia, África e América Latina, o que acaba gerando inflação. Também é válido destacar que parte dos recursos aplicados no setor primário consiste em capital especulativo, sujeitando sua produção à instabilidade do mercado. Além disso, os governantes dos países desenvolvidos, que garantem subsídios agrícolas a seus produtores - prejudicando a exportação de alimentos provenientes dos países de terceiro mundo e causando toda uma reação em cadeia que culmina na falta de investimento na produção de alimentos – são responsáveis diretos pela crise de alimentos.

A ONU e o FMI (instâncias que representam, a priori, os interesses dos países desenvolvidos) criticam os biocombustíveis porque muitas de suas ‘fazendas’ estão se transformando em ‘indústria’. O campo está se desenvolvendo e isso é, em alguma medida, uma ameaça às culturas primárias. Mas, sendo o cultivo dos biocombustíveis controlado e, em paralelo, terras improdutivas passando a ser utilizadas para a plantação de grãos, essa situação tenderá a se equilibrar.

Mais provável do que uma eventual falta de alimentos no mundo em função do cultivo de biocombustíveis é a degradação de biomas terrestres devido à emergência das ‘culturas energéticas’. A fronteira agrícola está, agora, mais pressionada do que nunca. Por isso, ao invés de se discutir o papel dos biocombustíveis na crise alimentar, seria mais construtivo pautar as conseqüências de sua expansão, que pode gerar novos 'arcos de desmatamento'.

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